O texto abaixo escrevi para uma
dissertação de avaliação na cadeira de Sociologia da Religião, no meu curso de Bacharel
em Teologia. É uma espécie de reflexão, baseada em minha própria experiência
nestes anos de crente, comparando o que vivi, com o que aconteceu socialmente,
alternando entre a experiência local e o conjunto geral do pentecostalismo
brasileiro.
Boa leitura e abraço a todos.
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Boa leitura e abraço a todos.
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Nasci no (não tão longínquo) ano
de 1974. Meus pais se converteram quando eu ainda era bebê de colo, fazendo
parte da primeira geração de pentecostais da cidade. Cresci na igreja e posso
testemunhar de algumas mudanças que vi neste meio social durante os anos.
Me recordo que lá pelo final da
década de 70, ou início dos anos 80, a igreja se preocupava muito com a volta
de Cristo. O arrebatamento parecia iminente a toda a comunidade pentecostal,
muitas pregações eram feitas neste sentido e havia uma chamada à santidade,
para que o evento não pegasse ninguém desprevenido.
Fato era que a Guerra Fria ainda
existia. As tensões entre os dois blocos antagônicos deixavam no ar uma
contínua expectativa de que uma guerra mundial pudesse estourar a qualquer
instante.
Este
estado social certamente influenciava a teologia eclesiástica. Vivia-se neste
mundo, se trabalhava, se buscava conquistar objetivos materiais. Entretanto,
nada disto era importante. A expectativa estava no além. Na volta de Cristo,
que livraria a igreja de todos os males e da opressão social que os crentes
viviam.
Opressão
essa que era muito real. A primeira geração de crentes da minha cidade era muito
discriminada. Era comum que quando alguém se convertia, fosse excluído do
convívio familiar. Para as famílias religiosas tradicionais não era concebível
a ideia de participar de uma comunidade que não tinha cemitério (bem a situação
do fulano não ter onde “cair morto”), nem pastor formado, e muitas vezes nem
mesmo um templo (as reuniões dos crentes costumavam acontecer nas casas).
Tudo para os pentecostais da época
era muito simples. O que importava era que o Evangelho fosse anunciado, que
vidas fossem mudadas. As preocupações seculares com a construção de templos e
outros tipos de infraestruturas eram muitas vezes colocadas em segundo plano.
Não era vergonha (até pelo
contrário) fazer cultos em praças públicas, distribuir folhetos e mesmo comprar
espaço nas rádios para ter um programa com o intuito de pregar a Palavra. Esta
era a prioridade. Mesmo quando a igreja se estruturou, construindo templos,
crescendo no meio da sociedade, o alvo ainda não mudara, apenas ampliara seu
foco: a nova febre se chamava “missões”.
A preocupação com almas em outras
culturas coincidiu com um arrefecimento da expectativa do retorno iminente de
Jesus. Mas não foi coincidência isso se dar na mesma época em que o comunismo
(supremo antagonista da fé cristã na época) desmoronava.
Conforme a comunidade pentecostal crescia,
a sociedade também foi gradualmente a aceitando mais. De certa forma, à virada
do século, tínhamos uma igreja mais light,
que evitava cometer exageros dogmáticos e disciplinares do lado interno, e que
começava a compreender em como se mover no meio da sociedade sem causar
escândalo, no lado externo.
Sinal dos tempos, uma era estava
acabando. Chegamos ao século XXI, a Era da Informação. Ninguém mais quer ser
antiquado, tradicional. O padrão moral da sociedade muda, divórcios proliferam
e fazer sexo antes do casamento já não é estranho pra ninguém. Hábitos e
atitudes anteriormente mantidas em segredo agora são praticadas abertamente e
não causam mais alvoroço algum. Uma geração acostumada com bens descartáveis
cresce com a mentalidade de que não há mais bens duráveis, tampouco valores.
Inevitavelmente este movimento social reflete na igreja.
Os velhos métodos já não são
eficientes. Busca-se aprimorar as técnicas. Missões perdem a prioridade. Para
que evangelizar longe, arcar com os investimentos necessários, se temos tantos
a ser ganhos aqui do lado? Pessoas divorciadas aceitam Jesus como salvador,
querem se batizar. O que fazer? Permite-se. Agora querem casar de novo! Pior,
filhos de crentes não tiveram um namoro segundo as Escrituras, mas agora querem
casar... Alguns irmãos querem uma volta no tempo, que as mulheres não cortem
mais o cabelo! Que confusão!
Novos dilemas surgem a todo
instante. Para o mundo, até o homossexualismo já é tolerado sem maiores
ressalvas. Na instância cívica e legal, até mesmo leis começam a ser aprovadas
em favor das minorias. A comunidade vive um conflito constante entre o que
prega, as ações dos seus membros e a posição que deve ter quanto a assuntos
polêmicos. Na busca de uma nova identidade, ou no anseio de consolidar a
antiga, o debate prossegue e, por muitas vezes, o reflexo na igreja é ambíguo.
Externamente, de modo geral, a
comunidade pentecostal agora é aceita como parte integrante da sociedade.
Politicamente, é um nicho a ser explorado.
Internamente, a igreja mudou. As
facilidades providenciadas pela tecnologia e pela modernidade modificaram
alguns hábitos dos crentes. Quem não tem carro, já não precisa caminhar 40
minutos para vir a um culto. Há ônibus da própria comunidade que passa perto de
casa. Os cânticos da Harpa, com linguajar e melodias desatualizados, são substituídos.
Os novos louvores não precisam mais ser decorados, pois se expõe a letra do
corinho no retroprojetor.
Mas não foi só isso. A igreja,
agora aceita pela sociedade, também aceita a sociedade sob diversas formas.
Muitos participam dos cultos, grandes templos se enchem, mas no meio há muitas
pessoas que não firmam um compromisso real com Deus. Adquirem o jargão
evangélico, o jeito de pentecostal, falam o “crentês”, participam das
atividades, mas não deixam a vida de pecado do mundo.
Em novos tempos, em que tudo é
preconceito e passível de processo, a igreja já não sabe como deve lidar com
alguns casos. O que pode ser feito ou não se torna um mistério.
Na área doutrinária e eclesiástica,
novos métodos e novas teorias teológicas se espalham pelo Brasil. Os novos
métodos ajudam na intenção da propagação do Evangelho. Por outro lado, muitas
dessas novas teologias acabam por encontrar terreno fértil entre aqueles que
foram ganhos, mas não devidamente instruídos.
A prioridade dos crentes, que uma
vez foi o além, passa a ser o aqui e o agora. O Deus que uma vez era soberano e
digno de ser temido, agora é aquele que garante benesses que devem ser exigidas
e das quais o crente toma posse. Os focos no porvir, na simplicidade, na
santidade praticamente não existem.
Sob a influência da sociedade cada
vez mais materialista, imediatista e ateia do século XX, a igreja começa a
apresenta muitas características de empresa. Focada no objetivo de ganhar pessoas,
o método e a sistemática são amplamente discutidas, ao passo que a profundidade
no ensino da Bíblia é, na maioria das vezes, deixada de lado.
Considerando todo este relato,
facilmente se nota como a sociedade, suas expectativas e seu modo de vida
afetam a igreja. Triste é perceber que ao invés de influenciarmos o mundo,
somos por ele moldados. Nestes meus mais de 35 anos de conversão, muitos
eventos sociais ocorreram, mas minha maior preocupação hoje é imaginar como
será a igreja em que minha filha irá congregar e na qual irá criar seus filhos
daqui a uma década ou duas.
Verdade. Infelizmente a igreja está assim. Está se preocupando mais com o mundo secular ao invés do vindouro
ResponderExcluirVerdade. Infelizmente a igreja está assim. Está se preocupando mais com o mundo secular ao invés do vindouro
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