terça-feira, 10 de março de 2015

Tomar posse??


Tornou-se comum uma certa teologia que prega que o cristão precisa se apossar das bênçãos divinas. Faria isso através da fé, determinando que algo já é seu, ou que alguma coisa já aconteceu, ainda que os indicativos visíveis não apontem para o cumprimento da suposta promessa.

Bem, há um problema fundamental com esta linha de pensamento. Hebreus 11:1 define a fé como sendo “o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova do que não se vê”.

Ora, se a fé está relacionado com o que se ESPERA, então é óbvio que a bênção, a realização da promessa, ainda não aconteceu. Se a fé é a prova do que não se vê, então é lógico afirmar que a bênção ou o cumprimento da promessa ainda não se materializou, ou seja, a situação ainda não foi mudada.

Temos assim a certeza da vitória. Mas a vitória não aconteceu e não podemos viver como se ela já tivesse se concretizado. Tomar posse, biblicamente, não seria fazer com que a promessa se cumpra, apressar o evento da bênção, mas sim esperar e perseverar, confiando no caráter de Deus, que nos prometeu algo.

Vejamos os exemplos bíblicos: Abraão recebeu a promessa de que teria descendência e de que essa descendência ocuparia a terra que palmilhava. Como ele tomou posse? Fincando a bandeira e determinando que aonde ele armava as suas tendas era dele, no mais puro estilo MST? Não!! Ele continuou a viver de modo consciente de que a terra onde estava tinha dono (Hebreus 11:9), tanto que comprou um pedaço para poder enterrar sua esposa, pois não tinha literalmente onde cair morto (Gênesis 23:4; Gênesis 49:30). Apenas aguardou confiante que um dia a promessa de Deus se cumpriria.

E quanto ao filho? Quando foi que “tomou posse” (no sentido teológico neopentecostal)? Quando gerou Ismael da concubina? Quando já desesperançado recebeu a visita dos anjos? Ou quando deitou Isaque sobre o altar? Ora, Abraão, amigo de Deus e justificado pela fé (Romanos 4:3) parece não se encaixar nos padrões de fé exigidos dos crentes hoje em dia.

Outro exemplo, do Novo Testamento. A mulher com fluxo de sangue. Ela se apossou da cura? Mesmo? Pois me parece que ela usou um condicional: “SE eu tocar...” (Mateus 9:21; Marcos 5:28) e reconheceu que nada estava garantido até o futuro próximo em que o condicional fosse satisfeito: “...então SARAREI...”

Diferente do que se prega hoje, o milagre só iria acontecer no futuro. Ela tinha fé, sim, de que iria obter a vitória QUANDO e SE as condições fossem cumpridas. Até tocar no Mestre ela ainda carregava o problema, e estava consciente disso. Se porventura não tocasse nele, não conseguiria a bênção!

Uma das coisas mais tristes que acontece nos nossos dias é a inversão de valores. Dentro disso, a vítima vira réu e o doente se torna culpado de não ter sido curado. Há exceções? Claro, sempre há. Mas as exceções confirmam a regra.

É de uma crueldade anticristã pregar uma teologia furada sobre “tomar posse” de uma promessa (que nem sempre é de fato uma promessa) e depois que a pessoa não recebe a bênção jogar nela a responsabilidade do fracasso.

Onde na Bíblia temos algum caso assim? Foi por acaso a fé de Lázaro (ou mesmo de Marta e Maria) que fez com este ressuscitasse? Foi por acaso a fé do pai do garoto hidrópico ou do próprio rapaz que fez com que fosse curado? Foi por acaso a fé do aleijado que fez com que viesse a andar (Atos 3:6)? Tem algo muito errado com a pregação de fé que temos ouvido nas igrejas ultimamente...

Claro que alguém vai se lembrar que Jesus não operou muitos milagres em Nazaré por conta da pouca fé dos nazarenos. Mas que fé? Pergunto eu. Fé na ação e no poder de curar, ou fé na pessoa de Jesus, de que ele era mesmo o Messias prometido? Ora, pelo contexto, podemos ver que eles não criam que Jesus fosse o Salvador (Mateus 13:55-58). Portanto, não acreditavam que ele PUDESSE ser usado por Deus para operar curas e milagres. Logo, os milagres não aconteceram porque simplesmente não lhe deram atenção, talvez nem mesmo o procuraram como em outras regiões.

Antes de finalizar, quero voltar um pouco para o assunto de que fé é a prova do que não se vê, a certeza do que se espera. Muitos alegam que nesse aspecto pode se comparar a bênção oriunda da promessa com uma gravidez, e a fé entra nessa analogia, pois apesar de não se ver, de não haver nascido, o bebê existe, e a mãe sabe.

Acredito ser uma analogia perfeita. Infelizmente, muitas vezes mal interpretada. Veja que a promessa de Deus é líquida e certa. Como o bebê no útero da mulher, existe. Contudo, o nascimento, o evento que marca a vitória do cristão ainda está no futuro, vai acontecer. E não podemos viver como se já tivesse acontecido.

Ora, a mulher grávida sabe que o filho está lá. Mas veja que não precisa “tomar posse” de nada. Ele está lá. Não é porque ela acredita ou não. Ele simplesmente está lá e vai nascer um dia!

E ela não pode (nem deve) fazer nada para apressar o parto. Não pode amamentar o filho. Não pode ficar noites em claro porque o bebê está com cólica. Não pode trocar as fraldas dele. Estas coisas um dia serão realidade. Mas não durante a gravidez!

O máximo que pode fazer é comprar uma roupinha, estocar fraldas, montar o quartinho, essas coisas... Mas a mulher e seu marido vão continuar vivendo uma vida de casal, de duas pessoas, até que o serzinho venha para fora, e aí nunca mais as coisas serão iguais, pois toda a dinâmica muda.

Então, se Deus nos promete algo, não é uma questão de tomar posse ou não para que se cumpra o que Ele disse. É uma questão de confiar. Esperar. Nos preparar. Porque no futuro (próximo ou distante) a vitória virá.

Agora, se Deus não prometeu... aí não adianta fazer declarações, fincar o pé, realizar “atos proféticos”, querer tomar posse. Não vai acontecer! Bem, talvez, pela misericórdia divina, algo aconteça. Mas não é a regra.

Assim sendo esta é a grande questão: Deus prometeu? Porque quando Ele promete, Ele cumpre. E Ele fala sempre de modo muito claro para que possamos entender.

É isso. Abraço a todos.

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