Tornou-se comum uma certa teologia
que prega que o cristão precisa se apossar das bênçãos divinas. Faria isso
através da fé, determinando que algo já é seu, ou que alguma coisa já
aconteceu, ainda que os indicativos visíveis não apontem para o cumprimento da
suposta promessa.
Bem, há um problema fundamental com
esta linha de pensamento. Hebreus 11:1 define a fé como sendo “o firme
fundamento das coisas que se esperam, e a prova do que não se vê”.
Ora, se a fé está relacionado com o
que se ESPERA, então é óbvio que a bênção, a realização da promessa, ainda não
aconteceu. Se a fé é a prova do que não se vê, então é lógico afirmar que a
bênção ou o cumprimento da promessa ainda não se materializou, ou seja, a
situação ainda não foi mudada.
Temos assim a certeza da vitória.
Mas a vitória não aconteceu e não podemos viver como se ela já tivesse se
concretizado. Tomar posse, biblicamente, não seria fazer com que a promessa se
cumpra, apressar o evento da bênção, mas sim esperar e perseverar, confiando no
caráter de Deus, que nos prometeu algo.
Vejamos os exemplos bíblicos: Abraão
recebeu a promessa de que teria descendência e de que essa descendência
ocuparia a terra que palmilhava. Como ele tomou posse? Fincando a bandeira e
determinando que aonde ele armava as suas tendas era dele, no mais puro estilo
MST? Não!! Ele continuou a viver de modo consciente de que a terra onde estava
tinha dono (Hebreus 11:9), tanto que comprou um pedaço para poder enterrar sua
esposa, pois não tinha literalmente onde cair morto (Gênesis 23:4; Gênesis
49:30). Apenas aguardou confiante que um dia a promessa de Deus se cumpriria.
E quanto ao filho? Quando foi que
“tomou posse” (no sentido teológico neopentecostal)? Quando gerou Ismael da
concubina? Quando já desesperançado recebeu a visita dos anjos? Ou quando
deitou Isaque sobre o altar? Ora, Abraão, amigo de Deus e justificado pela fé
(Romanos 4:3) parece não se encaixar nos padrões de fé exigidos dos crentes
hoje em dia.
Outro exemplo, do Novo Testamento.
A mulher com fluxo de sangue. Ela se apossou da cura? Mesmo? Pois me parece que
ela usou um condicional: “SE eu tocar...” (Mateus 9:21; Marcos 5:28) e
reconheceu que nada estava garantido até o futuro próximo em que o condicional
fosse satisfeito: “...então SARAREI...”
Diferente do que se prega hoje, o
milagre só iria acontecer no futuro. Ela tinha fé, sim, de que iria obter a
vitória QUANDO e SE as condições fossem cumpridas. Até tocar no Mestre ela
ainda carregava o problema, e estava consciente disso. Se porventura não
tocasse nele, não conseguiria a bênção!
Uma das coisas mais tristes que
acontece nos nossos dias é a inversão de valores. Dentro disso, a vítima vira
réu e o doente se torna culpado de não ter sido curado. Há exceções? Claro,
sempre há. Mas as exceções confirmam a regra.
É de uma crueldade anticristã
pregar uma teologia furada sobre “tomar posse” de uma promessa (que nem sempre
é de fato uma promessa) e depois que a pessoa não recebe a bênção jogar nela a
responsabilidade do fracasso.
Onde na Bíblia temos algum caso
assim? Foi por acaso a fé de Lázaro (ou mesmo de Marta e Maria) que fez com
este ressuscitasse? Foi por acaso a fé do pai do garoto hidrópico ou do próprio
rapaz que fez com que fosse curado? Foi por acaso a fé do aleijado que fez com
que viesse a andar (Atos 3:6)? Tem algo muito errado com a pregação de fé que
temos ouvido nas igrejas ultimamente...
Claro que alguém vai se lembrar que
Jesus não operou muitos milagres em Nazaré por conta da pouca fé dos nazarenos.
Mas que fé? Pergunto eu. Fé na ação e no poder de curar, ou fé na pessoa de
Jesus, de que ele era mesmo o Messias prometido? Ora, pelo contexto, podemos
ver que eles não criam que Jesus fosse o Salvador (Mateus 13:55-58). Portanto,
não acreditavam que ele PUDESSE ser usado por Deus para operar curas e
milagres. Logo, os milagres não aconteceram porque simplesmente não lhe deram
atenção, talvez nem mesmo o procuraram como em outras regiões.
Antes de finalizar, quero voltar um
pouco para o assunto de que fé é a prova do que não se vê, a certeza do que se
espera. Muitos alegam que nesse aspecto pode se comparar a bênção oriunda da
promessa com uma gravidez, e a fé entra nessa analogia, pois apesar de não se
ver, de não haver nascido, o bebê existe, e a mãe sabe.
Acredito ser uma analogia perfeita.
Infelizmente, muitas vezes mal interpretada. Veja que a promessa de Deus é
líquida e certa. Como o bebê no útero da mulher, existe. Contudo, o nascimento,
o evento que marca a vitória do cristão ainda está no futuro, vai acontecer. E
não podemos viver como se já tivesse acontecido.
Ora, a mulher grávida sabe que o
filho está lá. Mas veja que não precisa “tomar posse” de nada. Ele está lá. Não
é porque ela acredita ou não. Ele simplesmente está lá e vai nascer um dia!
E ela não pode (nem deve) fazer
nada para apressar o parto. Não pode amamentar o filho. Não pode ficar noites
em claro porque o bebê está com cólica. Não pode trocar as fraldas dele. Estas
coisas um dia serão realidade. Mas não durante a gravidez!
O máximo que pode fazer é comprar
uma roupinha, estocar fraldas, montar o quartinho, essas coisas... Mas a mulher
e seu marido vão continuar vivendo uma vida de casal, de duas pessoas, até que
o serzinho venha para fora, e aí nunca mais as coisas serão iguais, pois toda a
dinâmica muda.
Então, se Deus nos promete algo,
não é uma questão de tomar posse ou não para que se cumpra o que Ele disse. É
uma questão de confiar. Esperar. Nos preparar. Porque no futuro (próximo ou
distante) a vitória virá.
Agora, se Deus não prometeu... aí
não adianta fazer declarações, fincar o pé, realizar “atos proféticos”, querer
tomar posse. Não vai acontecer! Bem, talvez, pela misericórdia divina, algo
aconteça. Mas não é a regra.
Assim sendo esta é a grande questão:
Deus prometeu? Porque quando Ele promete, Ele cumpre. E Ele fala sempre de modo
muito claro para que possamos entender.
É isso. Abraço a todos.
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