segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Nem triunfalismo, nem fatalismo


Um amigo meu levantou uma questão interessante estes dias e eu gostaria de aproveitar para externar minha posição pessoal a respeito do assunto. Não tenho a pretensão de ser o dono da verdade, mas gostaria de dar minha contribuição ao debate, acrescentando meu ponto-de-vista.

Trata-se de uma visível bifurcação na teologia moderna. De um lado, uma doutrina triunfalista, que acredita que o crente tem que ser incondicionalmente vitorioso, que exalta as promessas de bênção contidas na Bíblia e que pregam que os cristãos precisam entender seus direitos e apropriar-se deles. É comum esta linha de pensamento chegar a extremos em que todos reveses da vida são atribuídos ao inimigo, a fazer a associação de doenças e males que acometem os crentes a algum pecado destes, e por fim, até mesmo a acreditar que podem determinar o mundo espiritual, exigindo bênçãos de Deus.

De outro lado, uma doutrina de certo modo fatalista, que exalta o fato do crente em Cristo passar por privações, ter de exercer a renúncia e, não raro, sofrer perseguições pela causa cristã. Pregadores desta linha enfatizam a nossa esperança na eternidade e levam a um cenário por vezes desanimador, onde a Igreja precisa abrir mão de todo conforto e ambição nesta vida para acumular bênçãos na póstuma.

Bem, quem estará com a razão? Na minha opinião, nenhum dos dois grupos. Explico.

Entendo que tudo no Universo e na vida gira em torno de um conceito simples: equilíbrio. Deus criou tudo com equilíbrio, mas infelizmente o pecado trouxe desequilíbrio para a criação. Desde então precisamos viver numa constante luta pelo equilíbrio perdido. Quando nos esquecemos disto, corremos o risco de entrar em um excesso. Mesmo na teologia. E excessos jamais fazem bem; jamais tem sua origem em Deus.

Assim sendo, o único modo de entendermos como podem coexistir os textos de Mateus 7:7-11, Marcos 11:24 e João 15:16 com os de Marcos 10:30, Lucas 12:29-31 e João 15:20 é entender o Evangelho em sua integralidade, harmonizando os dois conceitos: a bênção e a privação.

Para chegar a uma conclusão preciso colocar primeiro um fundamento.

Pessoalmente acredito que enquanto estivermos habitando este planeta estaremos sujeitos a dois tipos de fatores: o primeiro é a intervenção divina. O segundo é uma boa dose de aleatoriedade.

É inegável que neste mundo estamos sujeitos a eventos aleatórios. É o temporal que cai sobre todos e causa uma enchente, é a economia que vai mal e pode comprometer nosso emprego ou empreendimento, é a epidemia de Dengue que o mosquito criado no mato ali perto de casa propaga, é o motorista bêbado que dirige o carro na pista contrária, etc. Todos estes eventos podem afetar a vida tanto de cristãos quanto de ímpios.

Já a intervenção divina age de duas formas: uma pela soberana graça divina, outra pelo zelo divino de cumprir sua palavra.

A primeira forma se manifesta mais vividamente quando nos livra de alguma das consequências nefastas de eventos como os que descrevi acima. Mas há algo que precisamos estar conscientes: Deus não é obrigado a interferir em nenhum destes casos! Ele age por sua soberana graça e misericórdia. Ele faz porque é um Pai amoroso e que deseja nosso bem. E se por acaso Ele não agir, também não é culpado de nada! Ele continua nos amando, mas por sua soberana vontade e propósito, simplesmente não interveio no curso natural da história e nas regras que Ele próprio estabeleceu para este mundo.

A segunda forma é mais específica. Quando Deus faz uma promessa, Ele cumpre. A fé não é nada mais que isto, crer que Deus irá cumprir o que ele prometeu. E agora, voltando ao aparente paradoxo das duas pregações que estamos discutindo, podemos perceber que ambas as linhas teológicas se baseiam em textos bíblicos, e na fé de que Deus cumpre o que prometeu através de Cristo. O “xis” da questão então é: o que afinal foi prometido à Igreja?

Bem, estou convicto de que bênçãos como a cura foram prometidas. Mas também não foi prometido que todos seriam curados, ou que eventualmente não seriam acometidos por doenças. Estou certo de que prosperidade é algo que se aplica ao crente. Contudo não foi prometido que todos cristãos seriam bem-sucedidos, ou que a Igreja seria rica. Como cristãos, somos cidadãos do Reino de Deus. Porém a cidadania celeste não anula nossa cidadania terrena, e não somos biblicamente proibidos de exercê-la ou mesmo de tentar buscar uma vida melhor para nós e nossa família. Finalmente, que a Igreja seria perseguida é um aspecto muito claro do Novo Testamento. Mas este fato não é base bíblica para que simplesmente se aceite isto como vontade divina!

Dessa forma, chego à conclusão que precisamos voltar ao ponto de equilíbrio entre uma vida de desafios e uma vida vitoriosa. Ora, vitória só é obtida após uma luta! Vitória jamais vem de graça e a luta é o componente básico necessário para alcançar um propósito.

Tudo se resume em encontrarmos a sabedoria de harmonizar os diferentes momentos de nossa vida, ou as duas pregações distintas que são o assunto deste artigo. Saber quando aceitar uma situação como um “deserto” que temos que passar para crescer e aprender de Deus. Saber quando temos que clamar até que Deus interfira em nosso favor, lembrando que Ele é ao mesmo tempo Pai e Rei, e tem todo o poder para mudar o panorama de nossa vida.

Assim, o que precisamos realmente é de profundidade no relacionamento com Deus. Se tivermos isto, Ele falará conosco, e poderemos perceber qual é sua vontade. Sabendo qual é sua vontade, podemos trabalhar para que ela se cumpra (e isto é “buscar o Reino”).

Se ela implica em renúncia, é nosso dever renunciar, sabendo que Deus nunca pede algo para nós sem ter algo melhor em mente para nos dar (entendam: não necessariamente bens materiais).

Se ela implica em bênção, tanto melhor, mas como eu disse, vitória não vem sem luta. Isto também vai exigir nosso esforço, fazermos nossa parte. Além disso, a bênção de Deus tem propósito. Se somos abençoados (e a bênção material está incluída nisto) precisamos nos manter dentro do propósito para o qual fomos abençoados, sob a pena de perdermos algo muito mais valioso do que a própria bênção: a salvação da alma.

Espero não ter divagado muito. Abraço a todos. :)

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